MERLEAU - PONTY E A ARTE
ENTRE O VISÍVEL E O INVISÍVEL
MARILENA CHAUÍ
"O invisível do visível não é aquele invisível que eu passaria a ver se eu pudesse alargar meu campo de visão, o invisível não é aquilo que eu não vejo no momento mas que eu poderia um dia ver. O invisível é aquilo que torna possível a visibilidade. É aquele constituinte que ao não poder ser visto torna possível o visível. Um dos exemplos do que é o invisível do visível, aquilo que jamais podendo ser visto é, entretanto aquilo que permite a visão, é a profundidade. Ninguém vê a profundidade. A profundidade é o invisível da visão: sem a profundidade não se veria. Aquilo que não se vê é, entretanto, aquilo sem o qual não se pode ver. Isso é o invisível do visível. Eu poderia enumerar todos os invisíveis que Merleau - Ponty menciona, mas isso me levaria muito longe na exposição. Ele fala também do silêncio da linguagem. O silêncio da linguagem não são os implícitos, os tácitos, as lacunas que poderiam ser preenchidas. O silêncio da linguagem não é aquilo que um dia poderia vir a ser dito também, algo que está silenciado por razões das mais variadas e que poderia vir à expressão lingüística: o silêncio da linguagem não é isso. O silêncio da linguagem é aquilo que torna a linguagem possível, isto é, aquilo sem o qual não haveria possibilidade de linguagem. É o silêncio que é constitutivo do ato da fala. Só para dar um exemplo simples, sem maiores detalhes: o intervalo entre uma palavra e outra é essencial para que a linguagem se constitua com sentido: esse intervalo entre uma palavra e outra é um silêncio sem o qual não podemos falar. E esse silêncio é um silêncio que não pode ser rompido, esse silêncio é condição mesma da fala. Então, o que eu estou querendo dizer é que não se trata de opor o visível ao invisível, não se trata de fazer do invisível um visível ainda mal realizado que nos garantiria uma visibilidade plena um dia, não se trata de fazer do silêncio algo que se opõe à fala e à promessa de uma fala plena que um dia varreria todos os silêncios. O que se trata é de perceber a constituição de algo através de seu oposto e que o oposto é constituinte e não uma pura e simples negação externa. Da mesma maneira Merleau-Ponty fala do impensado do pensamento. O impensado do pensamento não é aquilo que ainda não foi pensado, não foi expresso. O impensado não é uma floresta de pensamentos ainda mal formulados, o impensado é aquilo que, através de um pensamento, me dá a pensar, isto é, não é aquilo que já foi nem aquilo que ainda não foi pensado. É aquilo que vem a ser pensado através de um outro pensamento; para usar um tipo de expressão que Merleau-Ponty gosta muito, cada pensamento carrega uma vegetação de pensamentos que ele próprio não pode explicar e que constituem o seu impensado. Dessa maneira a filosofia de Merleau-Ponty opera não com dicotomias mas com aquilo que ele chama de entrelaçamento, o quiasma, isto é, entrecruzamento de termos, e que considera que é no ponto do cruzamento que uma realidade aparece para nós, é lá onde o silêncio e o som se cruzam, que a linguagem emerge, e é lá onde o impensado e o pensado se cruzam, que uma idéia aparece. É isso que ele chama de vegetação de sentido que constitui o mundo. Ele diz que o mundo é um mundo barroco, mundo barroco e silencioso que trazemos à representação nas diferentes maneiras de expressão que nós possuímos e que são as artes, a filosofia, a ciência, a política e o suicídio."